Crónica de Jorge C Ferreira | Um Tempo Suspenso
Um Tempo Suspenso
A mágoa. A dor que parece uma brisa permanente. A marca. O ferrete. O não conseguir compreender. O não ser capaz de esquecer. Os enigmas. O saber cada vez menos. O pensamento contínuo. O círculo vicioso. A arte da prestidigitação. O truque que sabemos que é batota, mas a que vamos assistindo. O tudo que habita o nada.
Conseguir ir vivendo. A metade da cama fria. As paredes invisíveis. Os muros que ainda não foram derrubados. Um tremor pelo corpo todo. Saber da impossibilidade do desejo. Amar sem saber porquê. Começar a desamar. Correr os estores até ao escuro total. Apagar todas as luzes. Chegar a outro estado. Querer ter fé. Acreditar em milagres. A tristeza de não saber rezar.
Partilhar o impossível. Desgastar-se numa roda de escassos interesses. A vida a tornar-se cansaço. Um desafio que nos desencanta. Correr a casa e não encontrar ninguém. Um vazio que nos fere a vista. Os ouvidos cansados. Um sofá que já não funciona. As fechaduras de sempre. Uma corrente e um carro de ninguém. A vontade de perder a vontade de fazer alguma coisa.
A intensidade do mal-estar. Um dia, outro dia, um mês, outro mês e o calendário parado. O relógio de sala que deixou de dar horas. Um gira-discos que rejeita certas músicas. Uma canção que foi esquecida para sempre. Esquecer todos os lugares onde se foi feliz. Fazer, a negro, riscos num sítio escondido da sala. Vomitar o que não comemos.
Um projecto de vida em suspenso. Um miúdo que anda na escola. Alguma incompreensão que vai tentando ultrapassar. Ninguém engana uma criança. Eles compreendem tudo, sabem, de nós, o que nós ainda não pensámos. A dura aprendizagem da vida. Assimilar as verdades. As contadas e as descobertas. Dormir com um olho aberto. Esperar a próxima etapa. Tentar adivinhar o futuro. Ser Harry Potter por um dia.
As casas, os móveis, os tarecos. Uma montanha de trastes inúteis, como diz uma amiga minha Catalã. Tudo o que complica a vida. O dinheiro! A pior peste. A coisa mais usada que, quase ninguém, se desfaz neste tempo de coisas descartáveis. Ainda há quem guarde dinheiro nos colchões. Os verdes dólares e o cheiro da corrupção. A loja do chinês cheia de luzes actrativas. Os permanentes saldos. A necessidade do ter. É tempo de pensar em Ser. É tempo de usar em vez de ter.
A paciência e os seus limites. O perigo de abusar dela e algo se apoderar de nós. A bipolaridade cada vez mais presente na sociedade. A incapacidade do pensamento linear. As altas e as baixas frequências. As coisas desnecessárias ao alcance da mão. O perigo de deixar de pensar. O perigo de deixar de conversar. O perigo da alta tensão. Um fio que se desliga e um interruptor que deixa de funcionar. O alarmismo a rondar. A incapacidade de suster um curto circuito. O choque sem remissão.
«Olha, tu hoje dizes coisas com importância, mas estás com pensamentos um bocado negros.»
Voz de Isaurinda.
«Só estou a colocar questões que apoquentam a sociedade de hoje.»
Respondo.
«Sim, mas eu tenho razão no que digo. Tens a mania de pôr tudo no seu pior.»
De novo Isaurinda e vai, a mão a dizer-me adeus.
Jorge C Ferreira Setembro/2019(218)
Poder ler (aqui) as outras crónicas de Jorge C Ferreira.
O perigo de deixar de pensar. É para aí que nos arrastam os ignorantes que ensombram os dias em que queremos e teimamos ser nós.
Obrigado Afonso. Nós sabemos disso. Já estamos habituados a os ignorar. Vamos resistir. Abraço.
Uma análise do que é a vida. Do que é viver na dor, na incompreensão, na ilusão, no faz de conta. No vazio. Uma crónica que nos permite a várias reflexões. Por incapacidade de síntese, vou me focar apenas numa, se o que temos já não é suficiente para viver. Os anos vão passando e quando nos apercebemos , esquecemos do mais importante. Que é viver. Viver e ser Feliz. Muitas vezes para ser Feliz, não é preciso ter . O importante na vida, é Ser. Ser amigo. Ser amado. Ser inteiro. Tanto vazio, tanta escuridão, tanta insatisfação, quando afinal somos mais Felizes quando SOMOS do que quando temos.
Na vida o Ter, é passageiro.
O SER , é eterno!
Por isso, vamos com a Isaurinda. Vamos levar o pano não mão e Ser Feliz.
Obrigado Cristina. Ser é essencial. Arriscar ser feliz com pouco. Gostar e ser gostado. A vida a acontecer. Abraço
O temppo, a dor, o SER e o ter
Um abraço, Jorge
Obrigado Maria Rosa. Tudo isso. A vida. Dar a volta. Abraço
Suspender o que tanto desejamos. O tempo! Vivemos em alheamento colectivo. Tentam manipuladora a nossa vontade. Confundem as virtudes. É tão bom ser. Tão bom ter quem nos ensine a ter paciência. Resignação nunca. A isaurinda disse-te adeus, ela sabe-te como ninguém. Abraço Jorge.
Obrigado Regina. Nunca te resignes. Procura os que não te pedem nada em troca. Estamos sempre a aprender. Abraço
Li tudo Jorge e voltei a ler….
Havia muito para digerir
Gostei muito como sempre
Abraço. Até para a semana.
Obrigado Maria da Conceição. Sabe bem saber que nos lêem. Imensa gratidão. Abraço
Olá querido Jorge, meu amigo/ irmão. Li duas ou três vezes a tua crónica de hoje. Um Tempo Suspenso tão real para cada um de nós. O mundo começou a andar depressa demais e, para acertar, suspende-se. É tudo tão volátil. O TER tornou-se muito mais importante que o SER. As pessoas não se ouvem umas às outras. O gosto de partilhar que era comum, ou só parecia que era. Cada um ” olha o seu umbigo” como u centro do mundo.. Impossível viver-se sem comunicação, mas parece que se vive em casulos herméticos. Engolimos o que pensamos, porque já ninguém quer saber. Como eu te compreendo, meu amigo. Querer acreditar, mas não poder porque há muito se perdeu o acreditar. Apetecer viver numa comunidade de pessoas que partilhem estes sentires para que a tranquilidade volte. Não esquecer, nunca a ideia de como seria fácil e entendimento e quanto os afectos podem ajudar. O tempo está suspenso para a VIDA e até para o que nos esperará um dia. Beijinhos ternos <3 <3
Obrigado Ivone. Que belo comentário! Uma aldeia só nossa. A terra do Ser. Os nossos livros, os nossos quadros, o nosso sentir. Abraço.
O tempo que fica suspenso pela dor.
O tempo que queríamos suspender por amor.
O tempo a passar demasiado depressa e o tempo que nunca mais passa.
A paciência e a ansiedade.
A ambição e o ter.
A paz e o ser.
Obrigado Maria. Que bom o que escreves! O tempo não pára, nós, por vezes, sim. SER. Abraço
Viver assim é um desafio. Magnífico texto! Aguentamos com estoicismo esta ‘passagem’ cheia de perigosas inquietações.
Um forte abraço, querido amigo
Obrigado Madalena. Ultrapassar as provações. Conseguir chegar. Abraço
Amigo Jorge,um texto de afirmações tão conclusivas desta nossa sociedade tão doente e caprichosa. Façamos pelas palavras o grito e a denuncia da revolta
Obrigada!
Obrigado Cecília. A revolta contínua. Manter viva a vontade de mudar. A força que resta. Abraço
Excelente! O medo! Deixar de pensar. Os limites da paciência. A dor que parece uma brisa permanente.
Como me identifico com este texto.
Obrigada.
Um abraço amigo.
Obrigado Eulália. Que bom ter chegado a si deste modo. Grato pela sua leitura e comentário. Abraço
Boa tarde, Jorge.
Estamos sempre com o tempo suspenso; um desejo que ele não pare
e no mesmo minuto a ansiedade pela hora seguinte. Entramos em contradição quando tudo desejamos e mais nada queremos, nem cremos no acreditar, pelo que se vê à frente dos olhos, ali mesmo!
Parece mentira?!
Que conclusão tirar?
Um abraço, Jorge!
Obrigado António. Uma grande alegria a sua presença. Somos, por vezes, nós que paramos no tempo. Temos de dar corda ao nosso relógio. Abraço